Caminho de Compostela e algumas reflexões

Introdução

Neste post reflito sobre alguns pontos tido como obrigatórios para quem faz o caminho de Compostela. Mas será mesmo que uma viagem tão pessoal como está existam obrigatoriedades?

Minha principal fonte de informações, quando comecei a estudar sobre o caminho de compostela, foram os blogs de viagens. Li muita coisa, para não dizer tudo que há disponível em português na internet. Li também postagens em inglês. Todas elas foram muito importantes para minha preparação e repletas de informações valiosas. Além da leitura dos blogs, recebi dicas e conselhos de pessoas que já haviam percorrido o caminho, li um livro e pesquisei vários guias para chegar no meu roteiro.

Durante o caminho de Compostela, esses totens com a vieira e a seta amarela estão presentes em todo o caminho. Os símbolos do caminho são a sua orientação.
Durante o caminho de Compostela, esses totens com a vieira e a seta amarela estão presentes em todo o caminho. Os símbolos do caminho são a sua orientação.

Durante todo esse processo percebi, em muitos relatos, alguns pontos vistos como obrigatoriedades. Naquele momento isso me incomodou bastante. Me pareceu extremamente contraditório ao sentimento de liberdade que uma jornada como essa iria me proporcionar. Questionei, segui meu coração e minha vontade, contrariando tais obrigatoriedades.

Este post é uma reflexão sobre essas escolhas e já te digo que a principal dica dele é você seguir seu coração e respeitar suas limitações. Vem comigo!

O calçado ideal é a bota

Quando me deparei com essa informação, eu já quase desisti de fazer o caminho porque não suporto caminhar de bota. Acho a bota quente, pesada e desconfortável. Além de me incomodar terrivelmente no tornozelo. Pode ser que eu nunca tenha tido a bota perfeita. O fato é: eu não estava disposta a investir numa bota boa já sabendo que esse não é o tipo de calçado que eu aprecio. Então, contrariando a maioria, eu comprei um tênis de trilha. A grande importância da bota, a meu ver, é o solado cravejado e a impermeabilidade. Pois bem, um tênis de trilha tem tudo isso. Essas duas características são fundamentais. Outra coisa realmente importante é que você use o seu calçado com antecedência. Comprei o meu em julho/2018, fiz o caminho em abril/2019.

Caminho de Compostela, eu fui de tênis e minha amiga de bota.
Caminho de Compostela: minha amiga de bota e eu de tênis: ambas felizes!

Você deve estar se perguntando se eu era a única que não estava de bota. A resposta é não. É verdade que a maioria ainda prefere a bota, mas muitos peregrinos usam outro tipo de calçado. Nos dias de calor, eu trocava o tênis pela papete nos quilômetros finais. Evitar que o pé fique suado e a meia molhada é fator determinante para mitigar o surgimento de bolhas.

É tudo uma questão de preferência, não existe obrigatoriedade sobre este assunto. Para deixar claro, eu fiz o caminho de tênis e minha amiga de bota, e nós duas ficamos felizes com nossas escolhas.

As etapas do caminho

Desde St-Jean-Pied-de-Port, na França, até Santiago de Compostela são aproximadamente 800 quilômetros. A maior parte dos sites e guias dividem esses 800km em 33/ 34 etapas. O que você deve ter em mente é que você não precisa fazer essas etapas do jeito que elas estão divididas. Faça-as de acordo com seu pique, com sua possibilidade e principalmente com a sua vontade. Considere caminhar menos nos dias em que você tem interesse turístico no destino final.

Na saída de Roncesvalles fica essa placa. O começo do caminho de compostela.
Placa que fica logo na saída de Roncesvalles

Durante o caminho conhecemos pessoas que estavam fazendo as etapas clássicas, 33 a 34 dias de caminhada, conhecemos outros que estavam fazendo etapas mais longas porque queriam caminhar tudo e não tinham muito tempo disponível. Conhecemos um português que levou quatro anos para concluir o caminho francês, isso porque ele tinha em média de uma semana a 10 dias por ano para se dedicar a peregrinação, então cada ano ele iniciava sua jornada no ponto onde ele tinha parado no ano anterior. Conhecemos uma americana que não conseguia andar tantos quilômetros por dia, então ela alternava entre etapas mais curtas e o uso de táxi em alguns dias. Tudo é válido!

A beleza do caminho é que ele é para qualquer pessoa porque você pode adaptá-lo a suas condições. Basta ter vontade de percorrê-lo!

Nosso caminho durou 36 dias. Ficamos dois dias em Pamplona antes de começarmos a caminhada, caminhamos 30 dias, 2 dias de descanso entre Burgos e Leon e depois da chegada ainda ficamos 02 dias em Santiago de Compostela.

Clique aqui e veja o relato dia-a-dia da minha caminhada.

Hospedagem: albergues municipais e albergues privados

Esse é um assunto delicado e sobre o qual eu não posso discursar muito porque não fiquei em nenhum albergue municipal para compará-los. O ponto que eu gostaria de salientar é que os albergues municipais não são, nem de longe, a única opção.

Certamente eles estão entre as opções mais baratas de hospedagem e isso sozinho pode ser determinante para muito peregrino. Se este não é o seu caso, você não precisa ficar em albergue municipal

A principal diferença entre os albergues municipais e os privados é estrutural. Nos albergues municipais há um maior número de beliches por acomodação, bastante gente dormindo juntas. Em alguns deles os banheiros são mistos. Já nos albergues privados os quartos coletivos são menores e há ainda a possibilidade de quartos privativos. Viajamos em duas e ficamos em albergues privados. Optamos por ficar em quarto duplo, alguns tinham banheiro, outros não. Pagamos mais caro por conforto e privacidade. E por falar em conforto, um outro benefício do albergue privado é que muitos deles possuem máquina de lavar roupa e secadora. São pagas, mas em duas pessoas e a cada 4 dias mais ou menos, fica altamente viável.

Ótimo albergue em Najera no caminho de compostela.
Albergue privado em Najera

Existe um senso entre muita gente de que o verdadeiro peregrino só fica em albergue municipal ou casa paroquial. Quero deixar claro que não me senti menos peregrina porque não fiquei em albergues municipais. Isso é uma bobagem. De novo aqui, o importante é fazer a escolha que te deixe mais feliz e à vontade, aquela que você sinta que está dentro das suas possibilidades e que vá te proporcionar maiores condições de atingir seu objetivo.

Para mim, albergue privado é tudo de bom!

Carregar ou não carregar a mochila

Sim, é possível fazer o caminho inteiro e não carregar mochila nenhum dia. Foi isso que eu fiz. Eu já tive problemas no ombro e não queria arriscar. Não me dispus nem a treinar com a mochila para ver se eu aguentava. O ponto aqui não era aguentar, eu não queria aguentar. Queria caminhar leve e solta para curtir mais e me preocupar menos. Para mim, o caminho foi uma viagem de férias diferente.

Quando tudo ainda era uma ideia, uma das primeiras coisas que fiz foi pesquisar alternativas e incluir este custo no meu orçamento. Existem inúmeras empresas que fazem o serviço de transporte das mochilas entre uma etapa e outra. A maioria das empresas trabalham no esquema de envelope. Esses tais envelopes ficam disponíveis na recepção dos albergues, você coloca o dinheiro dentro, anota seus dados e o seu destino no envelope e pronto! Em baixa temporada você precisa ligar para a empresa e informá-los que eles precisam passar em determinado albergue. Além do mais todo dia você precisa preencher um novo envelope e ter o valor exato do custo do transporte. Achei isso pouco prático.

Foi então que encontrei “meu melhor amigo” durante o caminho: o app Pilbeo. O uso deste app anula a necessidade dos tais envelopes. Você contrata e paga o serviço tudo pelo app. Você pode fazer etapa por etapa, ou, se já sabe onde vai ficar, digamos na próxima semana, você já faz todas as etapas de uma vez. Tenha em mente que o pagamento é feito somente via cartão. Eu tinha um travel card e o usava para isso. Funcionou muito bem. Em uma das noites ficamos em casa de parentes da minha amiga e eles entregaram e buscaram nossas mochilas lá.

Pilbeo, a empresa de transporte de mochilas que usamos durante o caminho de compostela.
Aplicativo Pilbeo faz o transporte de mochilas no caminho de compostela

O custo do transporte é de E$5,00 por etapa de até 30 quilômetros e mochilas de até 20 quilos. Nos 100 quilômetros finais do caminho, a partir de Sarria, há uma oferta maior de empresas que realizam o serviço e algumas cobram até E$3,00 por etapa.

Dizer que eu não carreguei mochila não é verdade. Eu carreguei uma mochila pequena, de 15 litros. Nela eu levava além de água, itens básicos para o dia. Servia também para guardar os agasalhos conforme o dia ia esquentando.

A existência deste serviço foi essencial para mim.

O que levar para o caminho

Esse é um assunto que eu dediquei bastante tempo e energia. Quero escrever sobre o que eu errei e sobre o que eu acertei.

O primeiro item na lista de todo peregrino é o calçado, mas já falamos dele lá em cima. Ainda no assunto pé a escolha da meia é importante e quase me deixou louca. Experimentei muitas opções e quando não eram quentes demais, elas eram grossas demais ou finas demais. É bem verdade que eu sou uma neurótica com o conforto dos pés. Fazer o que né? Cada um deve saber onde o calo aperta.

Por fim, a meia eleita a melhor é a coolmax da marca Solo. Eu levei dois pares dela, um par de uma mais grossa para usar com a papete e um terceiro de uma outra marca e modelo que eu já tinha em casa. Resultado: eu só caminhei com as coolmax. A mais grossa eu usava à noite e a quarta foi peso morto porque eu não gostei dela. Da próxima vez, 3 meias coolmax e uma grossa. Perfeito!

O segundo item importante é a mochila. Apesar de eu estar decidida a não carrega-la, comprei uma boa e leve. Tinha medo que o tal serviço de transporte não funcionasse. Agora eu sei que funciona perfeitamente!

No caminho de compostela eu carreguei essa pequena mochila
Caminho de Compostela: a mochilinha que eu carreguei.

Terceiro, levei um saco de dormir e um travesseiro inflável. Usei o saco três noites. Não sabia como seriam os albergues. Inicialmente, a ideia era ficar nos albergues privados, porém em quartos coletivos onde não há roupas de cama disponíveis e o uso do saco se torna imprescindível. Já os quartos duplos têm roupa de cama e banho e eu não precisei do saco.

Agora vamos falar sobre remédios. Eu levei uma quantidade absurda de remédios. O suficiente para ficar doente todos os dias e ainda sobrar. Tinha remédio para tudo. Totalmente desnecessário, pesado e volumoso. É importante levar seus remédios de uso contínuo e um ou outro que seja relevante para você. De resto, esqueça! Tem farmácia em todo lugar e eles são especialistas em medicamentos do tipo que ajudam o peregrino.

Alguns itens que foram extremamente uteis:
  • Vaselina para passar nos pés. Elas ajudam a evitar bolhas porque diminuem o atrito dos pés com a meia. Essa ia comigo na minha mochilinha.
  • Gel de arnica para as dores musculares: uma delícia!
  • Pochete. Carregava o passaporte, dinheiro, a credencial do peregrino e meu celular ali.
  • Duas bandanas tubulares. Uma no pescoço e outra na cabeça protegendo as orelhas.
  • Chinelo para tomar banho.
  • Capa de chuva que carregava comigo todos os dias.

Já o luxo que não abri mão foi um pijama. Não estava disposta a dormir de roupa, conforto em primeiro lugar!

Um outro dilema que vivi foi quanto à fotografia. Eu gosto de máquina fotográfica de verdade, normalmente apenas o celular não me deixa satisfeita. Porém, é pesada e ocupa espaço. Testei uma gopro de um amigo e não gostei, não me entendi com ela. Resolvi então trocar meu celular e me rendi a viajar só com ele. No fim das contas foi a decisão correta. Todas as fotos da viagem são em um Iphone 8.

Hoje em dia, dois pensamentos estão sempre retornando à minha mente: fazer o caminho do norte (inteiro ou apenas uma parte) e refazer o caminho francês e desta vez percorrê-lo inteiro. Essa peregrinação é altamente viciante!

Quanto as tais obrigatoriedades, para mim, elas devem ser questionadas e muitas vezes desobedecidas. A única que vale a pena ser seguida é a da sua vontade. Lembre-se: cada caminho é único, pessoal e intransferível!

Links Úteis:
  • Saiba mais sobre a empresa Pilbeo. Clique aqui.
  • O site (em espanhol) que mais utilizei para estudar sobre as etapas e informações sobre os albergues foi o Gronze. Clique aqui.
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