Diário do Caminho de Santiago de Compostela
Uma breve introdução
Minha jornada pelo Caminho de Santiago de Compostela começou quando minha amiga, Eliana, me disse que queria fazer e me convidou para ir com ela. A princípio falamos em fazer apenas 10 dias. Depois, quando começamos a ler sobre o caminho deu aquela vontade, nas duas, de fazer inteiro. Me refiro ao caminho francês, o mais tradicional deles.
Não fizemos inteiro, fizemos 580 quilômetros em abril de 2019, início da primavera. Saímos de Roncesvalles na Espanha e não de San Jean Pied de Port na França. Fizemos o trecho conhecido por Mesetas (de Burgos a Leon) de trem. Muita gente faz o caminho todo no mesmo período que nós fizemos o nosso caminho, em 34 dias. O fator determinante para nós é que não queríamos caminhar muito mais do que 20 quilômetros por dia e aí não tínhamos 40 dias para dispor.
Você vai ver que algumas de nossas etapas estão divididas de forma diferente das etapas tradicionais. Tudo para deixar de um jeito em que ambas se sentiam confiantes e capazes de fazer. No final das contas achei que ficou muito bom. Não fizemos nada correndo, pudemos ficar um dia a mais em Burgos e caminhar poucos quilômetros quando tínhamos interesses turísticos na cidade daquele dia. Acima de tudo, não tivemos nenhuma lesão e nenhuma bolha no pé. Dores sim, contratempos também, mas nada além do necessário. Afinal de contas, era uma viagem de férias.
O texto a seguir é longo. É um relato de como foram nossos dias, dia-a-dia. Tem também o nome e o preço de todos os albergues, pensões e hotéis em que nos hospedamos.
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Boa leitura!
Dia 1 (30/03 sábado): Roncesvalles a Zubiri – 21,5km
A ansiedade tomou conta de nós duas e dormimos mal. O dia estava lindo, céu de brigadeiro. A caminhada é uma das mais bonitas do trajeto, por entre bosques com trilhas largas, e cruzando vários pueblos sendo o mais bonito deles o Auritz-Burguete. A parte mais difícil é a descida de aproximadamente 2km até Zubiri.
Obs: durante a noite a Espanha entrou no horário de verão e perdemos 1 hora de sono. Diferença de 5 horas para o Brasil.
Obs 2: chegamos em Roncesvalles de taxi vindas de Pamplona. Já tínhamos ficado uma noite em Pamplona, achamos melhor fazer esse pit stop para descansarmos do voo longo, e efetivamente começarmos o caminho mais inteiras.
Hospedagem: Albergue Palo de Avellano – quarto compartilhado a E$18,00 por pessoa com café da manhã simples (torrada com manteiga e geleia, café e bolo)
Dia 2 (31/03 domingo): Zubiri a Pamplona – 21,5km
A caminhada seguiu por trilhas mais estreitas e beirando a estrada, foi mais plana que a do dia anterior. Nos 5km finais, a caminhada é em área urbana e em algum ponto perdemos as setas amarelas. Não foi um problema pois acabamos chegando em um parque na beira do rio que também levava a Pamplona. A chegada na cidade pela Ponte Magdalena e as antigas muralhas é linda.
Observação: logo no início da caminhada conhecemos um espanhol morador que fazia sua caminhada matinal. Muito simpático ele nos ensinou várias coisas sobre a flora da região. Nos disse também que a região de Navarra um dia pertenceu ao País Basco, por isso tantas placas escritas não só em espanhol, mas também em basco. Eles estão investindo em recuperar o idioma.
Dica: à noite fomos comer num lugar de pinchos (nesta região as famosas tapas mudam de nome e se chamam pinchos) indicado pela recepcionista do nosso hotel. Excelente! O nome é La Mandarra de La Ramos. Fica na Calle San Nicolás, 9, bem próximo a Plaza del Castillo.
Hospedagem: Hotel Catedral – diária do quarto para duas pessoas E$63,00 + 13,00 por pessoa do café da manhã. Ficamos em hotel porque minha parceira estava ruim de gripe e uma noite bem dormida funciona como remédio.
Dia 3 (01/04 segunda-feira): Pamplona a Puente la Reina – 25km
O dia começou com uma leve garoa. Na saída de Pamplona quase erramos o caminho, mas fomos salvas por uma senhora que ao ver minha concha pendurada na mochila nos avisou que havíamos perdido uma virada à direita…ops. Logo na saída fizemos amizade com uma família de brasileiros de Recife. Muito simpáticos, nos encontramos em várias etapas do caminho.
Um pouco depois da metade do trajeto chegamos ao Alto del Perdón. Neste lugar há o Monumento aos Peregrinos. Várias esculturas em chapas de metal representam os peregrinos em diferentes épocas. O monumento mostra a evolução do caminho ao longo do tempo. Lindo.
Apesar da subida ao Alto do Perdón ter um ganho de elevação de 330m ela é feita ao longo de vários quilômetros. A parte mais difícil é na verdade a descida, que é longa, íngreme e o terreno é de pedras soltas. Não é um bicho de sete cabeças, mas há que se ter cuidado. No geral, a caminhada foi mais difícil porque foi mais longa e chegamos bem cansadas ao destino. O corpo ainda estava em fase de adaptação.
Observação: lá no Alto do Perdão há um grande parque de geração de energia eólica. Deu para perceber que é um bom lugar para isso pois ventava demais.
Hospedagem: Albergue Puente – quarto para nós duas com banheiro compartilhado E$36,00.
Dia 4 (02/04 terça-feira): Puente la Reina a Estella – 21km
Para sair de Puente la Reina há que se cruzar a ponte que dá nome à cidade. Essa ponte foi construída no século XI para facilitar a vida dos peregrinos que cruzavam o Rio Arga. Foi nesta ponte que fizemos o primeiro contato com nossos amigos de Taiwan. Saímos da cidade com uma neblina bem baixa, bonito. A caminhada foi a mais tranquila até então, mais plana e com vários pueblos ao longo do percurso. Foi o dia mais quente, deu até para caminhar de bermuda na parte da tarde.
A saída do pueblo Cirauqui, em descida, é uma viagem ao passado. Trata-se de um pedaço de uma estrada romana e uma ponte da mesma época (restaurada no século XVIII). Adorei!
Observação: fiquei encantada com a quantidade de pinhas nos milhares de pinheiros que havia pelo caminho. Nunca tinha visto tanto assim. As plantações de uva começaram a aparecer, cheia de brotinhos típicos do início da primavera. Vale destacar que adorei o vinho produzido na região de Navarra.
Hospedagem: Albergue Hosteria de Curtidores – quarto duplo com banheiro privativo E$45,00 para nós duas. Hoje foi dia de lavar roupa e o albergue tinha estrutura boa para isso.
Dia 5 (03/04 quarta-feira): Estella a Los Arcos – 22km
Dia de passar pela Bodega Irache e sua famosa fonte de vinho. Por volta das 10 da manhã lá estava eu bebendo o primeiro vinho do dia. A fonte é emblemática, mas o museu e sua cava centenária são mais legais. Um pouco antes da bodega passamos por uma forja muitíssimo interessante.
Caminhada com pequenos desníveis nos primeiros 10km até Villamayor de Monjardín. Depois, foram 12km sem nada. Terra batida e plano. Frio, pouco sol e muito vento. A toda hora São Pedro nos ameaçava com suas chuvas. Ficamos com receio pois era um trecho em que não havia abrigo. No final, nos preocupamos à toa, a chuva não veio e Los Arcos foi uma bela surpresa.
Dica: essa região é produtora de aspargos brancos. É uma delícia! Demos sorte pois estávamos por lá bem na época da colheita, no início da primavera. Jantamos no Restaurante Mavi, indicado pelo dono do albergue. Excelente! Foi neste dia que fizemos amizade com o pessoal de Taiwan.
Hospedagem: Albergue Casa de la Abuela – quarto duplo com banheiro compartilhado E$35,00. Café da manhã E$3,50/ por pessoa.
Dia 6 (04/04 quinta-feira): Los Arcos a Viana – 19km
Saímos cedo de Los Arcos porque o albergue tinha horário para check out. Fez um dia lindo, frio, mas com muito sol. Os primeiros 8km levam a dois pueblos muito bonitinhos, Sansol e Puente del Rio. Daí para frente são 10km sem passar por nenhum Pueblo, porém o trajeto é bem bonito. Viana também é uma cidade muito bonita.
Observação: eu não me canso de admirar e fotografar a beleza dessa região. Sempre caminhamos por parreiras de uvas e oliveiras, tudo muito florido. Neste dia comecei a sentir dores no meu joelho esquerdo (nunca tinha tido dores no joelho).
Jantamos com o pessoal de Taiwan e depois ainda bebemos um último vinho juntos. O dia seguinte seria o último deles.
Hospedagem: Pension San Pedro – quarto duplo com banheiro privativo E$50,00
Dia 7 (05/04 sexta-feira): Viana a Navarrete – 10km de ônibus e 14km caminhando
Hoje resolvemos fazer a primeira parte do percurso, de Viana a Logroño, de ônibus. Tudo para poupar meu joelho e o calcanhar da Eliana. Desta forma pudemos dar uma volta em Logroño que é a capital da região La Rioja. A cidade é grande quando comparada aos pequenos pueblos com os quais já nos acostumamos, mas é bem bonita.
Tivemos um pouco de dificuldade para encontrar as setas amarelas em Logroño. A Li pediu ajuda a um simpático senhor e pronto. À saída da cidade caminhamos bastante por um parque e depois o percurso segue próximo a estrada. Chovia quando chegamos a Navarrete. Compramos umas coisinhas no supermercado e esse foi nosso almoço/ aperitivo. Nos encantamos com Navarrete, a igreja é linda!
Observação: entrar e sair de cidades grandes é sempre mais chato, caminha-se muito perto de estradas e em zonas urbanas. Meu joelho continua doendo.
Dica: jantamos em um restaurante delicioso próximo a igreja chamado Casa de Comidas Begoña y Antonio. Resultado: comi muito.
Hospedagem: Albergue El Cantaro – quarto duplo com banheiro compartilhado E$30,00
Dia 8 (06/04 sábado): Navarrete a Najera – 17km
Dia de caminhada tranquila com poucos desníveis e ainda em meio às plantações de uvas.
Em Najera fomos visitar o Monastério Santa Maria la Real fundado em 1052. A igreja e o claustro são muito bonitos. Enquanto estávamos na igreja havia um coral ensaiando, foi lindo de ver e ouvir.
Observação: como meu joelho ainda estava doendo comprei uma “rodillera”. Ótima decisão. Depois de dois dias caminhando com a joelheira já não sentia mais dor nenhuma.
Hospedagem: Albergue Puerta de Najera – quarto duplo (cama de casal) com banheiro privativo E$45,00.
Dia 9 (07/04 domingo): Najera a Santo Domingo de la Calzada – 21,5km
Najera fica meio encrustada em um paredão de terra na cor de barro o que deixa a paisagem do início da caminhada bem diferente. Depois, o trajeto volta a ser em meio às plantações de uvas e os campos de florzinhas amarelas. Num ponto mais alto do percurso tivemos uma vista linda de toda a região e das montanhas com os picos nevados ao fundo.
Mais para a frente, há o pueblo Cirueña que mais parece uma cidade fantasma com muitas casas vazias. A partir daqui a caminhada foi rápida e já avistávamos Santo Domingo de la Calzada antes mesmo de chegarmos. A cidade é muito bonita. Planejávamos conhecer a catedral que é famosa pela lenda da galinha que cantou depois de assada, porém perdemos o horário de funcionamento dela.
No final da tarde saímos para um vinho e encontramos o David, um espanhol de Mallorca que havíamos conhecido no primeiro dia. Ótimo papo, jantamos todos juntos.
Observação: os campos de florezinhas amarelas que mencionei acima é plantação de colza. Ela é usada para produzir um óleo de cozinha (em inglês rapeseed) tido como benéfico ao ser humano. Não é a mesma coisa que óleo de canola. Outros usos da colza incluem alimento de animal e biodiesel.
Hospedagem: Room Concept Hostel – quarto duplo com banheiro compartilhado E$45,00
Dia 10 (08/04 segunda-feira): Santo Domingo de la Calzada a Belorado – 23km
O vento judiou bastante e teve um pouco de chuva também. Deixamos a região de La Rioja para trás e iniciamos a caminhada na região de Castilla y Leon. As plantações de uva ficaram para trás, e no lugar, trigo e cevada.
Boa parte da caminhada é ao lado da estrada. Os últimos 5km foram os piores no quesito vento, estrada e barulho de caminhão. Ademais ao longo do dia cruzamos charmosos pueblos.
A chegada a Belorado é muito bonita e a cidade é um charme.
Observação: Belorado é repleta de murais espalhados pela cidade. O mais bonito deles fica na saída, é preciso olhar para trás para vê-lo.
Dicas: em Santo Domingo de la Calzada tomamos café da manhã num barzinho muito bom, com opções diferentes da tradicional torrada com manteiga. Chama Bar Piedra. Outra dica de bar é em Grañón, primeiro Pueblo do trajeto. O bar fica quase em frente a igreja, chama-se Bar Myway.
Hospedagem: Hostel.B – quarto duplo com banheiro privativo E$45,00. Jantar no hostel E$11,50 (excelente) e café da manhã E$7,00 (muita coisa e caro).
Dia 11 (09/04 terça-feira): Belorado a Villafranca Montes de Oca – 13km
De Belorado até Burgos são 53km e a maioria das pessoas os percorrem em duas etapas. Nós resolvemos fazer em três sendo que neste dia andamos apenas 13km até Villafranca Montes de Oca.
O trajeto é tranquilo, passando por vários pueblos. Fazia bastante frio e choveu bastante em Villafranca. Foi ótimo termos andado pouco, nosso hostel tinha cozinha e aproveitamos para cozinharmos nosso almo-janta.
Hospedagem: Casa Rural La Alpargateria – quarto duplo com banheiro compartilhado E$36,00.
Dia 12 (10/04 quarta-feira): Villafranca Montes de Oca a Atapuerca – 19km
Apesar do frio que fazia, a caminhada foi muito bonita. Os primeiros 2km são de subida (travessia dos Montes de Oca); um tirinho mais longo e íngreme e depois mais tranquila.
No Alto de Valbuena, parte mais alta deste dia (1162m), há um monumento dedicado a 300 pessoas que foram assassinadas ali nos primeiros anos da Guerra Civil Espanhola. Além destes, nos anos 2010 e 2011 foram encontradas duas valas comuns com 104 e 30 corpos respectivamente. Muito triste!
Nos 12 primeiros quilômetros, até San Juan de Ortega, a caminhada é por entre bosques e flores, muito bonito. Logo depois chega-se a Agés, um pueblo muito charmoso e colorido com uma igreja muito antiga e simples.
Neste dia conhecemos o Juanito (espanhol) e o Nathan (neozelandês). À noite, no albergue, teve cantoria e muita risada. Uma coisa curiosa sobre o caminho é que apesar de cada um ter seu ritmo e escolher de forma diferente as etapas até Santiago, em algum momento você acaba reencontrando as pessoas que conheceu. O Juanito e o Nathan, só os vimos neste dia. Depois, no último dia de caminhada cruzamos com o Juanito. Já o Nathan, o encontramos no dia seguinte da nossa chegada à Santiago e ele estava seguindo até Finisterra. Coisas do caminho!
Observação: ontem fiquei ansiosa porque a previsão do tempo para hoje era bem ruim com chuva e neve e nenhum pueblo nos primeiros 12kms de caminhada. Nada disso aconteceu e o dia foi ótimo. Lição do dia: não sofra com antecedência.
Dica: em Atapuerca tem um restaurante delicioso, o Comosapiens, comida fresca e local, tudo feito em casa.
Hospedagem: Albergue El Peregrino – quarto duplo com banheiro privativo por E$35,00
Dia 13 (11/04 quinta-feira): Atapuerca a Burgos – 21km
O início da caminhada é legal. Sobe o morro e lá do alto já dá para ver Burgos. Olhe direito e você verá inclusive as torres da famosa Catedral de Burgos. Os pueblos já são menos interessantes.
Neste dia você terá duas opções de desvios e eu aconselho que você os faça. Quando estiver chegando perto do aeroporto de Burgos, pegue o desvio à esquerda. Você terá o aeroporto como companhia (ele estará à sua direita) porém caminhará numa estrada de terra (e não no asfalto) até Castañares. Dali, pega-se outro desvia à esquerda, siga as placas e marcações “rio”. Com esta opção o restante da caminhada é por um parque, a primeira parte beirando um rio e a segunda já mais urbana.
Observação: ficamos duas noites em Burgos porque queríamos conhecer a cidade que é linda.
Hospedagem: Hotel Maria Luisa – quarto duplo com banheiro privativo E$180,0 para duas diárias e café da manhã.
Dia 14 (12/04 sexta-feira): Turistando em Burgos
Burgos é encantadora! A catedral é seu ponto turístico mais famoso, mas Burgos é muito mais que isso. Não vou falar muito de Burgos aqui pois vou escrever um post só sobre ela.
Dia 15 (13/04 sábado): De Burgos a Leon de trem – 180km
Quando fomos comprar nossa passagem de trem não havia mais disponibilidade para o trem da manhã, acabamos chegando em Leon apenas no final da tarde. Esse sábado marca o início das celebrações da Semana da Páscoa e a cidade estava lotada de turistas por causa da famosa procissão.
Devido ao excesso de pessoas todos os lugares estavam lotados, foi difícil achar onde comer e acabamos indo dormir tarde e dormimos mal.
Hospedagem: Pension La Catedral – quarto duplo com banheiro compartilhado E$28,00
Dia 16 (14/04 domingo): Leon a Villar de Mazarife – 22km
Domingo de Ramos. Antes de sairmos de Leon fomos conhecer a Catedral de San Isidoro. Carimbamos nossas credenciais na sacristia com o padre e na porta da igreja compramos nossos ramos e os carregamos nas mochilas.
Os primeiros 6km de caminhada são em perímetro urbano, passando inclusive por uma zona industrial. Na saída desta zona tinha um homem vendendo frutas e afins por donativos. Tem bastante disso ao longo do caminho. Aproveitamos para reforçarmos nosso café da manhã e usar o banheiro.
Observação: Nossas credenciais já estavam praticamente lotadas de carimbos, compramos uma nova com esse homem.
Villar de Mazarife não é um destino clássico do caminho e sim um alternativo. Depois do vilarejo Virgem del Camino você pode decidir seguir pelo caminho tradicional ou pegar o alternativo. Decidimos pelo alternativo porque boa parte da caminhada é em estrada de terra. Esse desvio não leva para o mesmo destino, os caminhos voltam a se encontrar em Hospital de Órbigos na etapa seguinte.
A parte final da caminhada é bem monótona, por estrada de asfalto e um retão sem fim. Você sabe que o destino está ali na frente, mas parece não chegar nunca.
Hospedagem: Albergue do Tio Pepe – quarto duplo com banheiro privativo E$60,00.
Dia 17 (15/04 segunda-feira): Villar de Mazarife a Villares de Órbigo – 18km
A caminhada foi gostosa. Paramos em Villavantes para um café. Entramos numa venda para comprarmos um sanduíche para viagem. Foi nossa sorte! Enquanto estávamos ali caiu uma chuva torrencial. Segundo a proprietária não é comum pancadas de chuva daquele jeito. Depois da tempestade veio a bonança e o dia ficou lindo de novo.
Um pouco antes de Villares fica o pueblo Hospital de Órbigos que é lindo! O pueblo é famoso por causa da sua extensa ponte romana que realmente impressiona.
Nesta noite jantamos no albergue. Era um jantar coletivo onde a proprietária prepara a comida e os peregrinos pagam o quanto acham justo. Gostamos muito da experiência e principalmente da comida. O café da manhã no dia seguinte também foi no mesmo esquema. Depois do jantar fomos para o bar da frente para uma última taça de vinho.
Hospedagem: Albergue Villares de Órbigo – quarto duplo com banheiro privativo E$35,00.
Dia 18 (16/04 terça-feira): Villares de Órbigo a Astorga – 15km
Logo que saímos do albergue demos de cara com um voluntario que oferecia comidinhas por donativos. Não resistimos e comemos mais um pouquinho. Já na metade do caminho mais um voluntário, desta vez um italiano que tinha um espaço todo místico e nós comemos uma fruta. Um pouco mais à frente já foi possível avistar Astorga lá embaixo e aqui, no pé de uma cruz, tinha um violeiro tocando e cantando para os peregrinos.
A caminhada até Astorga foi tranquila e como chegamos cedo deu tempo de visitarmos a catedral e o palácio Episcopal de Gaudi, como havíamos planejado.
Dica: programe-se para conhecer o palácio episcopal porque é bonito demais! Assunto para um outro post!
Hospedagem: Hotel Restaurante La Peseta – quarto duplo banheiro privativo – E$62,70
Dia 19 (17/04 quarta-feira): Astorga a Rabanal del Camino – 22km
Saímos de Astorga por volta das 9hs, nosso horário padrão. Quando chegamos no primeiro pueblo, Murias de Rechivaldo, resolvemos pegar um desvio para conhecermos o pueblo Castrillo de los Polvazares. Que ideia boa teve a minha companheira! Castrillo é lindo, todo de pedra, casas e ruas de arquitetura maragota. Cheio de restaurantes charmosos. Ficamos com vontade de retornarmos com nossos maridos numa outra ocasião.
O restante da caminhada foi tranquilo. Apesar de caminharmos um bom trecho perto da estrada a paisagem foi bonita e sem maiores desafios. Desde Astorga até Rabanal tem-se um ganho de elevação de 283 metros, porém quase não se sente.
Dica: recomendo o desvio para Castrillo. Adicionou apenas 2km no nosso trajeto e o Pueblo é encantador.
No final da tarde fomos à igreja assistir uma apresentação de cantos gregorianos. Rabanal del Camino é um charme e nosso albergue era excelente. Tinha um bar e restaurante muito gostoso, jantamos no albergue e tomamos café da manhã no albergue.
Hospedagem: Albergue El Pilar – quarto duplo com banheiro compartilhado E$35,00
Dia 20 (18/04 quinta-feira): Rabanal del Camino a El Acebo e a Cruz de Ferro – 17km
O início da caminhada é em subida, são 5,8km até Foncebadón e um ganho de elevação de 280 metros. Um pouco mais à frente está a Cruz de Ferro, um dos marcos mais emblemáticos do caminho francês. Muito misticismo e história envolvem esse lugar. Ela foi colocada ali pelo eremita Gaulcemo no século XII e seu propósito era o de orientar os peregrinos durante a época das nevascas. Este é o trecho mais alto de todo caminho, a cruz está instalada no alto do Monte Irago com 1.504 metros de altitude.
Nos dias de hoje o peregrino traz de casa uma pedra (pequena) e a deposita nos pés da cruz pedindo proteção para o restante da peregrinação. Deixando de lado toda sua importância histórica, o fato é que eu esperava bastante e acabei me decepcionando.
Independente da minha decepção com a cruz de ferro, a caminhada é linda. Caminha-se por lugares altos e mesmo com o tempo nublado foi bonito, bem florido e com muitos picos nevados no horizonte.
Esse trecho é temido por causa da descida da Cruz de Ferro até Molinaseca. Nós resolvemos dividir essa descida em dois dias e dormimos no pequeno pueblo de El Acebo. A descida é pesada, mas foi bem mais tranquilo do que esperávamos. El Acebo é um pueblo charmoso, porém fazia muito frio e o albergue era gelado. Foi bem chato. Único dia em que me arrependi do albergue em que ficamos.
Hospedagem: El Meson del Acebo – quarto duplo e gelado com banheiro compartilhado E$24,00
Dia 21 (19/04 sexta-feira): El Acebo a Ponferrada – 17,5km
Mais um dia de paisagens muito bonitas. Até Molinaseca a caminhada é em trilha com alguns trechos mais pedrosos, tudo muito florido e sempre descendo.
Depois de Molinaseca a caminhada até Ponferrada é bem plana e tranquila. Ponferrada é a capital da região de El Bierzo, na província de León, e famosa pelo Castelo dos Templários. Chegamos na cidade na sexta-feira santa e pudemos assistir a procissão. Bem bonita Ponferrada!
Hospedagem: Hostal San Miguel – quarto duplo com banheiro privativo E$38,60
Dia 22 (20/04 sábado): Ponferrada a Villafranca del Bierzo – 25km
Se é que é possível escolher a etapa mais bonita de todo o caminho para mim foi essa. A caminhada foi mais urbana e rururbana nos primeiros 10 quilômetros. Almoçamos num lugar no meio da mata (era um trailer) e orgânico. Uma delícia!
A cidade de Cacabelos é um encanto e estava super movimentada!
Depois de Cacabelos a caminhada ficou maravilhosa. Em meio a vinhedos do Bierzo com montanhas ao fundo e bem arborizado. Vimos macieiras, cerejeiras e até pereiras.
Observação: o vinho de Bierzo foi um dos que mais gostamos em todo o caminho!
A cidade de Villafranca del Bierzo é muito charmosa. Jantamos no restaurante El Padrino e a sopa de pescado foi uma das coisas mais gostosas que eu comi na viagem inteira.
Hospedagem: Hotel San Francisco – quarto duplo com banheiro privativo E$50,00
Dia 23 (21/04 domingo): Villafranca del Bierzo a Vega del Valcarce pela variante de Pradela – 19,5km
Domingo de Páscoa. Duas opções de trajeto aqui. A primeira é a que você vai encontrar em todos os guias, que segue pela estrada e é plana. A segunda é o desvio de Pradela ou caminho duro. Quando eu li sobre esse desvio fiquei meio assustada pois a descrição faz parecer que a caminhada é dura demais. Conversamos com algumas pessoas que também nos colocaram medo, afirmando que era duro demais. Sempre usavam essa palavra; duro. Não é! A pior subida é a primeira porque é íngreme, mas depois fica bem sutil e as vistas são lindas! Tem um ganho de elevação de aproximadamente 400m então é claro que tem subida, mas para quem já está nesta altura da caminhada não é nenhum bicho de sete cabeças.
Nos contou a mulher do albergue em Pradela, onde paramos para almoçar, que originalmente aquele era o caminho. Só depois do advento da estrada é que Pradela deixou de fazer parte da rota tradicional e tornou-se um desvio. Será? Só sei que valeu muito a pena.
Dica: minha dica é que você faça o desvio de Pradela. Só vale a pena se o tempo estiver bom pois a grande beleza está no visual. A maioria dos peregrinos sai de Villafranca com destino ao O Cebreiro (30km de distância entre os dois pontos) e por isso optam pelo caminho mais rápido. Minha dica é que você quebre essa etapa em duas e aproveite mais a beleza desses lugares.
Hospedagem: Albergue La Magdalena – quarto duplo com banheiro compartilhado E$24,00
Dia 24 (22/04 segunda-feira): Vega del Valcarce a O Cebreiro – 12km
Que dia minha gente!!! Hora de encarar a tão temida subida do Cebreiro. Resolvemos caminhar apenas 12km e curtir esse que é o lugar mais encantador do caminho.
Nos primeiros 5km passamos por alguns pueblos quase sem ganho de elevação. É a partir dai que começa a subir, ou seja, 7km de caminhada para um ganho de elevação de 700 metros). Até La Faba vamos em meio às arvores, por um bosque bem bonito. Achei a subida mais íngreme neste começo.
Depois de La Faba a subida fica mais tranquila, porém constante. Deixamos as árvores de lado e passamos a avistar todo o vale e as montanhas ao redor. Nesta parte do trajeto entramos na Galícia, a última região do caminho. Quanto mais alto, mais encantador fica o visual. Meu conselho é que você caminhe devagar e curta a paisagem. A chegada ao Cebreiro foi emocionante!
Dica: almoçamos no Restaurante Mesón Anton e a comida estava sensacional. Comemos chuleta (bisteca de boi) e foi a melhor bisteca da minha vida. Arrumei briga com o meu marido para o resto da vida, só porque eu disse que a chuleta espanhola era melhor que a bisteca fiorentina (italiana). Fazer o que, é a verdade! À noite voltamos ao mesmo restaurante para bebermos um vinho e comermos o famoso queijo do Cebreiro, que eles servem com mel. Huummmm!!
Hospedagem: Albergue Casa Campelo – quarto duplo com banheiro privativo E$45,00
Dia 25 (23/04 terça-feira): O Cebreiro a Triacastela – 21km
Qual a nossa surpresa ao acordarmos e vermos que estava nevando! Inacreditável! Chegamos com sol e calor e fomos embora com neve e frio. Que presente! Lindo demais!
Hoje caminhamos com um grupo; brasileiros, português e húngara. Nevou durante toda a manhã e depois da pausa para o almoço começou a chover. Bem frio. Chegamos a Triacastela molhadas e com frio.
No final da tarde fizemos um aperitivo no albergue e depois fomos todos jantar juntos em um grupo grande e divertido com direito a cantoria. Pena que eu não canto….
Hospedagem: Albergue Atrio – quarto duplo com banheiro privativo E$45,00
Dia 26 (24/04 quarta-feira): Triacastela a Sarria – 18km
São duas opções de caminho até Sarria, por Sanxil ou por Samos, um mais longo que o outro. O dia amanheceu chovendo e aí a decisão foi fácil: fomos pelo mais curto (Sanxil).
O dia ficou chove-para, chove-para, chove e não para. O lado bom é que ficamos hospedadas na casa dos parentes da Eliana. Foi uma delícia conhecer parte da família espanhola dela. E que família simpática e acolhedora. Saímos de lá revigoradas
Hospedagem: casa da família da Eliana – um quarto para cada uma com banheiro compartilhado apenas por nós duas. Nos sentimos duas rainhas, cada uma em seu castelo. Que luxo!!
Dia 27 (25/04 quinta-feira): Sarria a Portomarim – 22,5km
Este foi o dia mais difícil do nosso caminho. Não porque a distância fosse longa, nem tampouco por causa de subidas e descidas. A dificuldade se mostrou presente na constante chuva que caiu o dia inteiro. Já perto do destino pegamos uma pequena tormenta com rajadas de ventos bem fortes. Ficamos ensopadas! Tudo molhou. Não há capa de chuva que resista à chuva constante por várias horas. Bom mesmo foi chegar no hotel, colocar toda a roupa para lavar e secar e depois jantar os quitutes da Pilar (prima da Eliana) com um bom vinho galego!
Nesse dia passamos pelo marco dos 100km restantes até Santiago. Quase lá!
Hospedagem: Albergue Porto Santiago – quarto duplo com banheiro compartilhado E$35,00
Dia 28 (26/04 sexta-feira): Portomarim a Palas de Rei – 25km
O dia amanheceu instável, mas, para nossa alegria, não choveu. Ufa!
O caminho tem um pouco de subida na primeira metade do trajeto, nada assustador, depois fica mais plano. Almoçamos num restaurante bem bonito mais ou menos na altura do quilômetro 12.
Na segunda parte do dia fomos ouvindo música e cantando. Estávamos felizes por termos o sol como companhia e não mais a chuva. O dia foi feliz.
No final do dia voltei a sentir meu tornozelo (ele tinha doído somente lá no início da jornada). Foi chato porque havíamos decidido fazer a caminhada longa até Arzúa (30km) e por causa da dor achamos melhor manter o plano original e quebrar a etapa em duas.
Dica: jantamos no Restaurante Pulperia Nosa Terra, comemos pulpo (polvo) e pimientos de perdón, que é delicioso!
Hospedagem: Albergue San Marcos – quarto duplo com banheiro privativo – E$45,00
Dia 29 (27/04 sábado): Palas de Reis a Melide – 15km
Esse não foi um dia muito fácil para mim. Era aniversário do meu marido e eu estava contrariada por estar longe dele. Feliz em estar fazendo o que eu estava fazendo, porém angustiada. Vai entender a cabeça do ser humano!
A caminhada foi bonita, a Galícia é cheia de lindos bosques. Chegamos em Melide em tempo de almoçarmos na pulperia mais famosa da cidade; A Garnacha. Delicioso! Tiramos a tarde para descansar. Foi ótimo!
Observação: comer o pulpo em Melide é outra tradição do peregrino. O pulpo é famoso nesta cidade porque no passado distante havia uma importante feira e os comerciantes da região costeira traziam o pulpo para ser comercializado aqui.
Hospedagem: O Tobo do Lobo – quarto duplo com banheiro privativo E$45,00
Dia 30 (28/04 domingo): Melide a Arzua – 15km
Esse foi um dia interessante. Nem bem tínhamos saído de Melide, menos de 2km à frente, paramos na pequena “Igrexa” de Santa Maria para carimbarmos nossa credencial. O voluntário que ali trabalhava nos contou tudo sobre a história da igreja e sobre a energia que emana dela.
Ficamos um bom tempo conversando com ele e absorvendo toda a energia do lugar. Ele encontrou dois trevos de 4 folhas para nos dar de presente. A crença é uma coisa muitas vezes questionável, mas que deve ser respeitada. A energia positiva daquele cara me acompanhou durante todo o dia e a caminhada foi deliciosa. É bem verdade que a paisagem ajudou muito.
Arzua é muito gostosa. Já pudemos sentir entre os peregrinos aquela sensação de que estamos próximos do final da jornada.
Observação: a tarde estava linda e ensolarada, ficamos descansando e bebendo numa pizzaria de um italiano e depois voltamos para o jantar. Foi muito gostoso!
Hospedagem: Pensión Domus Gallery – quarto duplo com banheiro privativo E$52,25
Dia 31 (29/04 segunda-feira): Arzua a O Pedrouzo – 20km
Mais uma vez tivemos a bela paisagem galega por companhia. Galícia terra única. Esse foi o mote de uma campanha publicitária do governo espanhol há aproximadamente 20 anos. É verdade! Nessa terra tem de tudo. Sol, muito verde porque chove muito, bosques inesquecíveis, eucaliptos muito altos, vacas, ovelhas, queijos e mais queijos. Até vinho bom tem por lá!
Chegamos em O Pedrouzo em tempo de almoçarmos. Normalmente os restaurantes fecham às 15:00hs e depois só reabrem depois das 19hs. Comemos bem. Nos despedimos do menu do peregrino. À noite fizemos uns petiscos na pousada mesmo e fomos dormir.
Confesso que já estávamos um pouco ansiosas com o dia de amanhã!
Hospedagem: Pensión LO – quarto duplo com banheiro privativo E$45,00
Dia 32 (30/04 terça-feira): O Pedrouzo a Santiago de Compostela – 20km
Aquela ansiedade de ontem à noite não foi embora e, pela primeira vez na viagem inteira, acordamos cedo e saímos da pousada antes do sol nascer. Vontade imensa de chegar!
Lendo sobre o caminho todo mundo fala que esse não é um dia bonito no tocante às paisagens. Não importa! É o último, e eu estava feliz demais para não achar a caminhada bonita.
Saímos às 06:30hs da manhã de O Pedrouzo e por volta das 12:30hs estávamos em frente à catedral. Não é possível descrever a emoção que senti ao chegar ali. Ficamos um bom tempo apenas observando a catedral e refletindo sobre todo o caminho. Depois, tiramos muitas fotos ali na frente da igreja e aí então fomos brindar!
Só pegamos a Compostela no dia seguinte, só entramos na igreja (que está em obras) no dia seguinte. No dia da chegada não fizemos nada diferente de nos permitir sentir toda a carga de emoção que estávamos sentindo! Não foi pouca!
Reflexão: Lá atrás, quando comecei a pensar no assunto, parecia muito. Tudo parecia muito. Muitos dias longe de casa sem o marido, muitos quilômetros, muitas possíveis dores, muitas dificuldades. Quando cheguei em Santiago e me encontrei de frente à igreja tudo pareceu pouco. O que foi muito foi o agradecimento imenso que senti quando cheguei. Não existe outra palavra que defina melhor o que senti que não gratidão. Naquele momento me senti imensa e pequena.
Links Úteis
- Site para programação das etapas e informações sobre os trajetos e albergues: Gronze.
- Durante o caminho baixe o app do eroski chamado Camino.
- Para transporte de mochila entre as etapas prefira usar o app Pilbeo.
Veja outro post sobre o caminho. Algumas reflexões sobre o que levar para o caminho. Clique aqui.
Buen camino!